Wadja é um documentário que ecoa como gesto de resistência e memória. Ao narrar a trajetória de Marilena Araújo, professora indígena Fulni-ô, a obra celebra a força de uma mulher que dedicou sua vida à valorização da língua Yaathe e à afirmação cultural de seu povo. Wadja, como é conhecida, é mais que uma personagem central – é a ponte entre gerações, entre a oralidade ancestral e a pedagogia da esperança.
A narrativa do documentário se constrói como um verdadeiro mosaico audiovisual: colagens ilustradas, recortes de jornais, animações, imagens de arquivo de entrevistas com Marilena, performance encenada e depoimentos de famílias e amigos. Essa costura estilística dá à obra um ritmo próprio, em que passado e presente se entrelaçam para testemunhar a potência de um legado.
Através da fundação da Escola Bilíngue Antônio José Moreira, Wadja criou um território de aprendizagem onde o Yaathe — língua materna dos Fulni-ô — não apenas sobrevive, mas floresce. É preciso lembrar que os Fulni-ô, localizados no município de Águas Belas, em Pernambuco, são um dos únicos povos do Nordeste brasileiro que ainda mantém viva sua língua originária, junto com os os indígenas do Maranhão e os Pataxós do sul da Bahia. O Yaathe é classificado no tronco Macro-Jê, mas possui estrutura singular e é guardado com zelo, especialmente por seu papel central em práticas rituais como o Ouricuri.
A importância da preservação linguística vai além da comunicação: ela expressa a continuidade simbólica e territorial de um povo. Fulni-ô significa “beira do rio” (fuli, ‘rio’ + ido, ‘beira’), e essa relação com o território e a natureza é também mediada pela língua. A presença da língua no filme reafirma esse espaço de resistência, fortalecendo uma pedagogia que não separa o saber do sentir. E, ao incorporar a acessibilidade (LSE, libras e audiodescrição) a obra amplia seus sentidos e públicos, sem perder de vista o respeito à complexidade da cultura retratada.
Wadja não é apenas um tributo à trajetória de Marilena Araújo, mas um manifesto audiovisual em defesa das línguas indígenas, da educação diferenciada e da autonomia dos povos originários. Assistir ao filme é um convite a reconhecer a centralidade das mulheres indígenas na produção de conhecimento e a descolonizar nossos olhares.
Quem me quer? (2023), documentário dirigido por Tiago Pinheiro, é um mergulho sensível na memória afetiva do Cinema São Luiz, um dos marcos históricos e culturais mais emblemáticos do Recife. Fundado em 1952, o São Luiz se impôs como um verdadeiro “templo majestoso” da sétima arte, situado no coração do bairro da Boa Vista. Ao longo das décadas, sua imponente arquitetura e programação diversificada acolheram gerações de cinéfilos e realizadores, estabelecendo um elo entre o glamour das antigas salas de exibição e os movimentos de resistência e renovação do cinema brasileiro.
O filme costura memórias com afeto. São vozes de quem viveu o São Luiz de dentro — cineastas, técnicos, programadores — e de quem viveu de frente para a tela: o público apaixonado. Cada depoimento é um gesto de cuidado, uma forma de dizer “eu estive ali”. Quem me quer? transforma o cinema em personagem vivo, carregado de sentido, e nos faz lembrar que lugares assim não são feitos só de concreto, mas de sonhos compartilhados. A obra é, acima de tudo, um ato de amor à memória cultural da cidade — e um alerta: precisamos querer bem ao que queremos preservar.
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